Conquistas de Camila Rocha, a Soraia: Do Nós do Morro à sólida carreira na dança até destaque na TV

Criada na Rocinha, atriz festeja estreia nas novelas em Quanto Mais Vida, Melhor!, fala de representatividade e cita sonho


03 de janeiro de 2022 01h39

Foto: João Fenerich

Por Luciana Marques

*A entrevista completa está disponível no vídeo, abaixo.

Filha de uma ex-passista com um músico e neta de uma baiana de escolas de samba, Camila Rocha cresceu com a música e dança pulsando em sua vida. Criada na comunidade da Rocinha, no Rio, a partir do momento em que ingressou no grupo teatral Nós do Morro e depois ganhou uma bolsa em uma escola de balé clássico em Copacabana, a arte a envolveu completamente. Hoje, aos 27 anos, além de ser preparadora corporal, diretora de movimento e bacharelanda em dança na UFRJ, ela faz a sua estreia em novelas, em Quanto Mais Vida, Melhor!. “Eu quero ser grande, colher mais do que eu tenho plantado”.

E alguém duvida? Na trama das 7, Camila tem feito bonito como a marrenta Soraia, rival da Martina (Agnes Brichta). “Ela tem sempre uma resposta na ponta da língua, é ativa, pra frente, confiante mesmo. E falo confiante, não sobre ser marrenta, mas para um lugar que sempre colocam a gente, enquanto mulher preta”, diz a atriz. Além de estar literalmente “batendo um bolão” na TV - sua personagem também joga futebol -, Camila ressalta a importância da representatividade. “Uma amiga contou que a filha estava assistindo a novela e quando me viu, disse, mãe, ela tem o cabelo igual ao meu, ela é igual a mim... Isso é maravilhoso!”, fala a atriz, com o seu sorriso para lá de cativante.

Soraia (Camila Rocha). Foto: Globo/Fabio Rocha

Como você definiria a Soraia? Ela é um furacão de energia, está sempre atenta, não leva desaforo pra casa. Mas pra mim ela tem uma coisa que ela sabe ser honesta, ela tem uma troca muito sincera com os amigos mais próximos, o Dênis (Diego Francisco) e o Cabeça (Fabricio Assis), somos esse trio, esses caçadores de emoções. Soraia tem sempre uma resposta na ponta da língua porque é ativa, pra frente, é confiante mesmo. Eu falo confiante, não sobre ser marrenta, mas para um lugar que sempre colocam a gente, enquanto mulher preta. Ah, eu sou a marrenta, não é sobre isso, tem também essa camada. Soraia é inteligente, tem suas multifacetas, é boa de bola sim no futebol, no skate também. E tem outras facetas que vão aparecer no decorrer da novela que eu não posso falar... Mas ela não está nesse lugar de vilã. Enquanto uma adolescente, de 18 anos, no ensino médio, com todas as descobertas da idade, toda essa curiosidade, embates dentro de um colégio. São muitas camadas. Mas vilã não dá para dizer que é, mas implicante dá para dizer (risos).

Você acha que ela sente algo mesmo pelo Tigrão (Matheus Abreu) ou é mais para alfinetar a rival dela, a Tina? A rivalidade que ela tem com a Tina é de muito antes. Tem um entendimento que nós estudamos nessa escola a vida inteira, somos crias da Tijuca, nos conhecemos desde criança. Então é uma briguinha de muito tempo e quando chega o Tigrão tem mais uma coisa, uma questão entre elas. Mas pra mim, Soraia gosta, ela tem um sentimento pelo Tigrão e eles vão desenvolvendo esse romance e vamos ver como isso vai se desdobrar no percurso (risos).

Você e Soraia são muito distantes ou há semelhanças? Eu também estudei em colégio público toda a vida, então, essa vivência é real, palpável pra mim. Soraia usa o cabelo black dela, blackzão, solto, tem os seus penteados, e isso é um pouco meu também. Eu sou uma camaleoa, se não estou de black, estou de trança. Eu gosto muito de mudar. Eu tenho umas coisas de Soraia, nesse estilo de usar uma gargantilha, ter a sua própria vaidade, de ser direta também. Mas Soraia é muito mais agitada do que eu. Quando comecei na preparação, o Fábio Herford, que faz o Juca, me via e um dia me parou e perguntou... Como é fazer Soraia? Porque você é muito calma e eu começo a ler Soraia e ela é um furacão, você é centrada. Eu digo, é isso aí, tem que incorporar mesmo na Soraia e trocar a chavezinha. Não que não tenha um agito de Camila Rocha, tem, adoro uma festa, uma movimentação, mas eu sou bem mais tranquila do que a Soraia, com certeza.

Você está mandando muito bem no futebol e no skate, esses esportes já fazem parte da sua vida? Tive que aprender para a novela. Eu nunca tinha jogado futebol na minha vida, acho que só na educação física do colégio. Skate, então, só tive algum contato quando era adolescente, mas nunca tinha praticado. A gente teve uma preparação de futebol com o Jamir Gomes, que foi do Botafogo e do Grêmio, e o Bruno Pio, do skate. Tive aí todo um amparo. Mas posso dizer que a dança me ajudou muito na prática do futebol, porque é isso, malemolência do corpo, entender como era essa dinâmica de se colocar. Aproveitei esse tempo de preparação para também observar algumas pistas de skate do Rio, claro que com todo o cuidado por conta da pandemia.

Como é para você, uma mulher, preta, criada na Rocinha, estar aí conquistando cada vez mais o seu espaço nas artes. Você tem noção de que passa a ser referência para muitas meninas? Eu tenho reverberado, entendido um pouco como é isso. Eu recebi no início da novela mesmo umas mensagens desse lugar de representatividade. Uma amiga me mandou mensagem e disse que a filha dela estava assistindo a novela, me viu e disse, mãe, ela tem o cabelo igual ao meu, ela é igual a mim. E eu achei isso maravilhoso, é sobre essa troca. E o pai dela me mandou uma foto dela, vestidinha meio como Soraia, com casaco na cintura e um blusão, eu falei, que lindo e que gostoso. É isso, eu Camila, sempre procurei pessoas como eu, via Taís (Araújo), Zezé (Motta), e dizia, caramba, tem mulheres negras, eu posso estar lá também. Eu tenho também uma irmã de 14 anos e ela tem umas pitadas de influência para o que é Soraia, da fase da adolescência. É muito bom ver que tem essa representatividade, que elas podem se ver um pouco na Soraia e que eu posso trazer isso pra elas também, enquanto cabelo, estilo...

Foto: João Fenerich

Qual a importância do grupo Nós do Morro na tua vida e carreira? Incrivelmente maravilhoso e incrivelmente importante e muita coisa. O Nós do Morro é um grupo de teatro que sempre foi muito completo. Eu tenho a memória de ter aula de muita coisa lá, de voz, de corpo, de audiovisual, não era só teatro. Eu tive professores maravilhosos, como a Miwa Yanagizawa, inclusive a gente tem contato até hoje, eu participei de oficinas dela, de laboratório de escuta, começava fazendo a preparação e o aquecimento corporal dos alunos. A Fátima Domingues, ela deu muitas dicas para a Soraia, o Guti Fraga. Nós do Morro foi e continua sendo muito importante para a minha formação, porque lá é a minha segunda casa.

E como a dança chegou na sua vida? Minha família toda é do carnaval, meu pai era músico, minha mãe já foi passista, minha avó baiana. Eu cresci nesse movimento de dança e música. Quando eu pude desfilar, eu comecei a desfilar com os meus pais. E comecei a fazer dança com uns 6 anos, antes, em festa de família, já dançava. Quando comecei a fazer dança na escola, fazia jazz, balé e contemporânea. E a partir de uma primeira mostra que fiz no meu colégio público, ganhei uma dança para uma escola de balé em Copacabana. E aí eu comecei a fazer outras modalidades de dança e nunca mais parei. Hoje eu faço faculdade de dança na UFRJ, estou quase me formando. Sou preparadora corporal, diretora de movimento, já fiz direções e preparações corporais de alguns espetáculos teatrais, como A protagonista, do Coletivo Paralelas, do Teatro de Afeto. E eu tenho uma pesquisa, na qual eu desenvolvo e dou aula, de dança afro dentro do BPM do funk, com as danças populares brasileiras.

Qual é o seu sonho na carreira? Eu sempre quis ser, na verdade, desde criança, eu sempre fui muito sonhadora. Mas eu sempre quis ser alguma coisa, de ser grande, de poder fazer algo que eu pudesse gostar, que eu pudesse trazer não só pra mim, mas também para a minha família. Como esse momento que está acontecendo agora, essa representatividade, de estar nesse espaço. Então, eu quero ser, eu quero ser grande, poder fazer meus trabalhos, eu quero ser Camila Rocha, poder ser mais do que eu tenho plantado e colher mais.