Micheli Machado, a Jandira: De “autoestima zero” na infância a conquistas no humor e representatividade na TV

Atriz de Quanto Mais Vida, Melhor! estreia em novelas e fala do orgulho de Morena, sua filha com Robson Nunes


10 de dezembro de 2021 12h40

Foto: Divulgação

Por Luciana Marques

*A entrevista completa está disponível no vídeo, abaixo

A risada solta de Micheli Machado encanta qualquer um. E é difícil vê-la cabisbaixa, afinal, foi nos palcos do stand-up comedy, fazendo piadas com o grupo Humor de Salto Alto, que ela viu o seu nome ficar conhecido no gênero. O semblante leve da atriz só muda para um sorriso ainda maior e emocionado quando fala de Morena, de 10 anos, sua filha com o ator e comediante Robson Nunes. Micheli é só orgulho de sua menina, que, desde nova, mostra interesse por sua ancestralidade. “Eu nasci com zero autoestima, ouvindo que era preta, feia, pobre. E pensava, não quero que minha filha passe por isso. Se ela souber da história dela, vai conseguir se defender. E é exatamente isso que acontece, ela se orgulha de quem é”, conta.

Hoje, aos 40 anos, Micheli, que começou aos 7 em desfiles e comerciais e, na TV, foi assistente de palco de Angélica e atuou na Turma do Didi, Zorra Total e Casseta e Planeta entre outros, estreia em novelas num dos principais núcleos de Quanto Mais Vida, Melhor! Micheli interpreta a Jandira, ex de Neném (Vladimir Brichta), e mãe de Martina (Agnes Brichta). Ela mora na casa da ex-sogra, Nedda (Elizabeth Savalla), com o jogador, a filha, e a outra ex dele, Betina (Carol Garcia), com a filha, Bianca (Sara Vidal). Para ajudar nas despesas da família, Jandira começa a vender quentinha, e o público já tem se encantado com as sequências divertidas da rivalidade dela com Odete (Luciana Paes) pelo melhor ponto na Tijuca.

Jandira (Micheli Machado). Foto: Globo/Fabio Rocha

Como você definiria a Jandira? Jandira não tem papas na língua, não tem filtro, ela fala, depois se arrepende... Mas ela é uma mulher muito solar, apesar de ser essa mulher pé no chão, que diz para a família, precisamos falar de dinheiro. Às vezes é dura no jeito de falar, mas tem uma alegria de vida e uma positividade, de sabet que tudo vai dar certo. Ela quer resolver as coisas porque tem certeza que vai dar certo.

Há semelhanças entre você e a personagem? Eu me identifico muito com ela e acho que as mulheres vão se identificar porque ela é a típica mulher brasileira. Ela é batalhadora, mãe, faz os trabalhos domésticos, trabalha no salão, é ela quem faz toda a administração do salão. Ela é a pessoa que lembra a família que há dívidas para pagar. Em um determinado momento ela vai vender quentinha porque eles precisam de dinheiro. Ninguém sabe o que fazer e ela diz, eu sei, e decide vender quentinha na Tijuca. E as pessoas adoram, porque Nedda ajuda ela a fazer, então tudo é feito com muito amor e as pessoas sentem isso quando comem a quentinha.

Ela vai rivalizar na venda de quentinhas com a Odete, papel de Luciana Paes, né? Outra honra, eu fui muito agraciada nessa novela. No núcleo das quentinhas, a minha rival é nada mais nada menos do que a incrível Luciana Paes. Vai dar o que falar, as duas vão ser rivais, mas é uma rivalidade infantil, acaba sendo engraçado. Pra mim foi um grande respiro na veia cômica, porque a Jandira é solar, mas tem uma vida densa, dura, uma história forte. E quando ela vai para a quentinha é como se ela “esquecesse dos problemas”, porque tá na rua, se diverte, fala com as pessoas, dança, canta, brinca com a Odete...

E essa família do Neném, como explicar duas ex-mulheres morando com as filhas na casa da sogra e com o ex? Eu acho que as duas têm um ponto muito comum que fez que elas se aproximassem mais. A Jandira foi o primeiro amor de Neném e vice e versa. Eles casaram, ele teve essa ascensão no futebol, foi para a Itália e começou a galhar Jandira como se não houvesse o amanhã... Eles acabaram se separando, mas de uma maneira muito tranquila. Ela continua lá porque ele quer acompanhar o crescimento da filha e ela aceita. E quanto chega a Beta, ela a recebe de braços abertos. Porque quando Jandira se separa de Neném, eles continuam sendo melhores amigos, é um amor muito bonito, um torce muito pelo outro. E quando Neném faz o mesmo que fez com Jandira, ela acalma a Beta, dizendo, calma, filha, vai ter mais, fica tranquila (risos). Até que Beta se separa dele também, mas fica lá com a filha. E todos eles ali viraram uma grande família, bem buscapé, a dor de um é de todos.

E que núcleo, hein, conduzido pela matriarca Elizabeth Savalla, na pele da Nedda... Que presente foi ter Savallinha nesses dois anos e meio, maravilhosa, apenas 47 anos de carreira. O que eu aprendi com essa mulher nenhuma faculdade ensina. Ter o Marcos Caruso ali também, ele é de uma generosidade, que emociona, eu pedia o Caruso em casamento todos os dias (risos). O Vlad também é um companheiro incrível, virou um amigo que quero para a vida toda. Uma pessoa generosa e com um dos corações mais bonitos que já vi. Eu vi ele fazendo coisas por outras pessoas, inclusive por mim, que não precisava. Ele foi lá, viu a melhor luz pra mim, sabe essas coisas que você faz porque é generoso, é incrível. Outro exemplo, na hora de um caco, ele serve de escada pra você, não tem egocentrismo.

E é incrível como a Agnes ficou parecida com você, né? Quando ela chegou com o cabelo da Martina, eu olhei e disse, meu Deus, ela parece muito comigo. O Vlad olhou e acho que pareceu muito. A Agnes contou que a Adriana Esteves disse que a gente parece mãe, pai e filha. E a Agnes é um presente de Deus, menina pura, doce, inteligente, dedicada, companheira, é muito talento ali. Sara (Vidal) que faz a Bianca também, que menina talentosa, a Carol também, outra atriz incrível, meu coração é só alegria, orgulho.

Acha que demorou muito para conseguir um papel tão bacana como o da Jandira numa novela ou chegou quando tinha que ser? Claro que eu como atriz já queria fazer novela há muito tempo, a gente sempre quer mais, sempre busca fazer outras coisas. Mas acho que Deus sabe o tempo de tudo, veio num momento lindo, em que estou mais madura profissionalmente. E estrear nessa novela, com esse nome, depois de uma pandemia, com esse núcleo, nossos diretores incríveis. Me arrepia falar no Allan Fiterman (diretor artístico), ele trabalha com muito amor, muita empatia, com um olhar muito respeitoso para todos da equipe e do elenco.

O humor, seja no teatro, na TV, sempre foi muito dominado por homens. Por que você decidiu criar o grupo Humor de Salto Alto? Realmente, é um ambiente muito machista. Melhorou muito. Há 10 anos, quando comecei na comédia, não teria essa recepção que tenho hoje, era mais machista ainda. Era o clube do Bolinha, com uma Luluzinha. A minha grande referência como mulher na comédia é a Dercy Gonçalves, muito à frente, empoderada. Ela tinha falas fortes e pertinentes que ninguém falava na época. Eu cresci achando tudo isso maravilho. E eu tinha um bar em Moema, São Paulo, Beverly Hills, foi o primeiro comedy club do Brasil. O stand-up voltou lá, era um grupo que chamava Clube da Comédia, deu aquele boom de stand-up, todos começaram no meu bar. Eu não fazia comédia ainda, assistia e escrevia, dava uma piada para um, para outro. Um dia, o Robson virou pra mim e disse, vem cá, quando você vai parar de ser cagona e vai subir no palco e dizer as piadas que você escreve. Eu falava, não vou conseguir, não tenho talento para a comédia. Ele disse, não sei quem foi que falou que você é do drama, essa pessoa errou muito. Eu falei, ok. A Carol Zoccoli, outra comediante, me chamou para montar um grupo e eu falei, aceito, mas se for só de mulheres. Porque já que a gente não tem espaço, a gente tem que criar. E aí a gente montou o Humor de Salto Alto, foi lindo, a gente ficou com ele uns 3, 4 anos, descobrimos muitas meninas do humor. A gente sempre tinha um convidado que era homem e a fazia piada com ele o tempo inteiro, era uma revanche dos grupos femininos. E eu encerrei o grupo para começar um show com o Robson chamado Roupa Suja se Lava no Palco. A gente volta agora.

Foto: Divulgação

Você e o Robson são pais da Morena, fala um pouquinho sobre ela... Nossa filha é maravilhosa, deusa, diva. A morena é a criança mais especial que eu já conheci na vida, posso falar isso porque sou mãe coruja mesmo. Ela tem uma empatia pelo próximo, uma generosidade... Eu falo muito para ela sobre representatividade, sobre nossa ancestralidade, desde muito pequena. E trabalho muito a autoestima dela, porque eu fui uma criança que nasci com zero autoestima e o pouco que me restava, me tiravam, falando que eu era preta, feia, horrorosa, pobre, que nunca ia conseguir nada. Então cresci com essa migalha de autoestima. E pensava, eu não quero que a minha filha passe por isso, não quero, por exemplo, que uma fala racista desestruture ela. Se ela tiver uma autoestima boa, souber da história dela, dos ancestrais, ela vai pegar isso de uma maneira diferente e vai conseguir se defender. E é exatamente isso que acontece, ela chega na escola e fala sobre história preta, quando tem semana de ciência, ela sempre quer fazer alguma cientista preta, ela também é toda feministinha. E isso me mostra que ela tem orgulho de quem é, é tudo isso que eu queria, porque a gente tem uma história linda. O fato de eu estar numa novela das 7, na família de um dos protagonistas, não é só a Micheli que está ali, é a esperança para a menina que está na comunidade e acha que não tem chance. Ela vai me olhar, porque eu também vim da comunidade, e vai dizer, eu posso também, sou capaz, tenho que estudar.

Micheli com o marido, Robson Nunes, e a filha, Morena. Foto: Reprodução Instagram

E a parceria com o Robson no trabalho e na vida? O Robson é um parceiro maravilhoso. ele me ajuda muito nisso com a Morena, ele é um homem que respeita muito as mulheres. Como todo o homem, ele teve que ter uma desconstrução, todos nós temos que nos desconstruir em algum lugar, o importante é você querer. E ele é maravilhoso, me dá apoio, é o meu maior incentivador. Ele foi a pessoa que insistiu para eu fazer comédia. Ele sempre está na primeira fileira de tudo. E é isso, é muito linda a nossa família, como eu te falei, quando um está num degrauzinho mais em cima, vai puxando o outro. Isso pra mim é o amor de verdade.