Cirillo Luna e o mergulho no Esaú, de Gênesis: “Uma montanha russa de emoções, prato cheio para um ator”

Ele festeja papel de destaque, cita aprendizados e a apreensão com cenas fortes de machismo e violência


20 de julho de 2021 00h39

Foto: Jorge Bispo

Por Luciana Marques

Entrevista completa disponível em vídeo, abaixo.

Com mais de 13 anos de carreira no teatro, Cirillo Luna emenda trabalhos importantes no audiovisual. Após estar pela primeira vez numa novela do início ao fim, em Salve-se Quem Puder, como o Gael, ele se vê agora no ar como o complexo Esaú, um dos protagonistas da fase Jacó, de Gênesis. “Enquanto ator, poder passar por essa montanha russa de emoções, é um prato muito rico pra gente trabalhar, se divertir. Eu fiquei muito feliz quando recebi o personagem”, conta.

E no papel com tantas curvas, que iniciou leve, fanfarrão, passando pela raiva e o ódio de ser enganado na questão da primogenitura por Jacó (Miguel Coelho), Cirillo tem mostrado segurança e se destacado, provando ser um nome forte de sua geração que vem aí para agarrar muitos outros desafios. Para o ator, essa fase chegou na hora que devia ser. “Tinha uma ansiedade, mas eu sabia que tudo estava sendo escrito para o momento certo, para quando a gente está realmente preparado”, diz.

Cirillo também fala sobre o lado machista de Esaú, que tem quatro mulheres. O ator revela que conversou muito com a direção e as colegas antes de gravar cenas fortes de violência. “A gente ficou preocupado em como fazer... Mas é um assunto que é preciso mostrar, tantas mulheres agredidas diariamente no nosso país. É horrível”.

Esaú (Cirillo Luna). Foto: Divulgação

O que mais cativou você nesse trabalho? É um desafio muito grande fazer o Esaú, porque é um personagem bíblico, que já existe no imaginário de muita gente. Então, foi uma responsabilidade muito grande, tanto minha, quanto do Miguel, que faz o Jacó. Eu acho que o maior desafio foi representar o mais fiel possível essa história. Claro que sempre tem uma licença poética de a gente poder pensar esses personagens da nossa maneira, mas sempre de acordo com o que os textos bíblicos falam sobre eles.

O Esaú parece ser um prato cheio para qualquer ator, você concorda? Eu falo isso desde o começo! A personalidade dele é muito complexa, ele vai do 0 ao 80, do início ao fim da história. Então isso pra gente é precioso. A gente tem a possibilidade de passear através das emoções, dos sentimentos, com uma gama variada dessas sensações que ao longo da história o personagem vai vivendo. Quando eu peguei o primeiro texto e comecei a ler, eu fiquei muito feliz. Dizia, nossa, tem tanta coisa que a gente pode aproveitar aqui. Ele começa de um jeito mais solar, um fanfarrão... Ele estava predestinado a ser um líder, tem toda a questão que ele ia receber a benção do pai, eu costumo falar que ele era um bon vivant, tinha tudo, o pai já tinha uma prosperidade estabelecida, e ele só estava esperando receber essa benção para poder viver da forma como sempre quis. Aí acontece que tiram o tapete dele e ele vai para um extremo, um oposto, em termos de ação, de sentimento, emoção.

O personagem tem reações muito agressivas e solta muito dessa raiva em suas mulheres. A gente vê um machismo muito forte ali. Como homem, como é o seu olhar para essa questão naquela época e hoje? Na verdade, é o mesmo, tanto naquela época como hoje, eu acho horrível. Ele passa por uma situação limite que ele acaba reagindo dessa forma. A gente acabou de ver um caso recente mais ou menos desse tipo. Isso foi muito conversado na preparação, conversei muito com as meninas também. Tanto com a Paula (Jube – a Basemate), a Ju (Juliana Lohman – a Judite) e a Lidi (Lisboa  - a Maalate), menos com a Dani (Moreno – a Aolibama), porque a personagem não sofreu isso. Mas com a da Lidi, tem uma cena muito forte que deve ir logo ao ar e a gente ficou muito preocupado, como a gente vai fazer isso? A direção pede umas coisas, o texto outras, e a gente, enquanto ator e atriz, se perguntava, é isso mesmo, precisa de tanta violência? Mas depois de muita conversa, estudo, a gente entendeu que é importante mostrar isso, porque é o que acontece. A gente está falando de uma história antiga, da origem do mundo, naquela época eles agiam dessa forma mesmo, olho por olho, vou resolver minha questão matando você... Mas a gente vê acontecendo isso muito hoje no Brasil, muitas mulheres são agredidas, morrem por conta do machismo. Então é um assunto que a gente precisa tocar, mesmo tendo essa violência toda, porque a gente fazendo a cena, a gente sentiu.

Foto: Jorge Bispo

Há alguma semelhança entre Esaú e Cirillo? (risos) Eu não pensei sobre isso ainda, mas com certeza tem. Como eu falei, ele é muito complexo, tem muita coisa dentro dele. E dentro de mim também. Pensando agora, o que eu posso dizer é a questão do perdão. Eu pensei muito sobre isso. O Esaú passa a história toda com raiva do irmão, querendo se vingar pelo o que ele faz, mas no final, como é uma história bíblica e todo o mundo sabe, ele acaba perdoando o irmão. E o reencontro dos dois é muito bonito, porque ao invés de querer matar, ele acaba perdoando o irmão, e eles fazem às pazes. E eu fiquei refletindo muito sobre isso, sobre o perdão, onde eu ainda tenho necessidade, onde preciso perdoar algumas pessoas e não consegui. E outras situações em que eu preciso pedir perdão, mas acho que isso é mais fácil pra mim. Eu acho que eu tenho um pouco mais de dificuldade, dependendo do que aconteceu, de perdoar a pessoa. Mas estou nesta busca, o Esaú me fez refletir muito sobre isso, de algumas pessoas ou situações que eu tive que rever, e estou, aos poucos, perdoando.

Você fez sempre muito teatro, participações em novelas, e este ano esteve no ar em Salve-se Quem Puder e agora  com um protagonista nessa fase de Gênesis. Acha que isso tudo aconteceu no momento que tinha que ser ou demorou muito? Eu acredito que tudo acontece no momento certo. Salve-se Quem Puder foi a primeira novela que eu fiz do início ao fim, mas eu já tinha feito participações boas na casa, Deus Salve o Rei, Verão 90... Olhando para trás, rola uma ansiedade de a gente querer entrar nesse mundo do audiovisual, novela, série, cinema, eu tinha essa ansiedade, mas ao mesmo tempo, sempre teve uma calma e um lugar de controlar isso. Eu sabia que tudo estava sendo escrito para o momento certo, sempre pensei muito dessa forma, acho que tudo acontece quando a gente está realmente preparado. E foi assim.  Sempre fiz muito teatro, minha primeira peça foi em 2008, fazia uma, duas peças por ano, então, de alguma forma, isso me confortava, porque sempre estava de trabalhando, atuando. E o teatro é tudo para mim, é o lugar onde eu fiz muito encontros, profissionais, pessoais... O teatro pra mim tem um lugar muito especial, é onde eu aprendi praticamente tudo.

Jacó (Miguel Coelho) e Esaú (Cirillo Luna). Foto: Blad Meneghel/Record TV

Você também fez uma participação num filme, né, rodado em Paquetá? Sim, no longa Noites de Alface, do Zeca Ferreira, que estreou há umas três semanas. Rodamos todo ele na Ilha de Paquetá. Eu faço uma participação bem pequena, mas já foi suficiente para me deixar muito feliz. O elenco é uma galera de peso, Marieta Severo, Pedro Monteiro, que me indicou para o filme, fiz com ele a minha primeira peça, Os Ruivos. E tinha também no filme Inês Peixoto e Teuda, atrizes da Cia. Galpão. Quando eu cheguei lá e vi esses atores, também o João Pedro Zappa, tanta bacana, que eu admiro, pensei, poxa, e eu tô aqui. Eu fiquei muito feliz em fazer. É um filme muito delicado, me relembrou a minha infância, a casa dos meus avós no interior, tem um lugar afetivo que foi muito especial pra mim.