Priscilla Pugliese: “Saber que tirei alguém da depressão emociona”

Atriz e produtora da websérie LGBT de maior êxito da América Latina fala das conquistas


01 de outubro de 2018 10h15

Foto: Divulgação

Por Luciana Marques

*Entrevista também disponível em vídeo, abaixo.

O desejo de Priscilla Pugliese sempre foi ser arquiteta, mas como a própria diz, “a arte a escolheu”. E foi só ela iniciar um curso de cinema - o que foi um “perrengue” no início - para decidir o caminho que gostaria de trilhar na sua vida. Determinada, e sem querer ficar aguardando as oportunidades, ela fundou com amigos a Ponto Ação Produções, produtora independente de audiovisual, no Rio.

E o que começou amador, tornou-se um estrondoso sucesso. Entre os trabalhos mais bem-sucedidos está a websérie A Melhor Amiga da Noiva, com temática LGBT, que se tornou a mais vista e comentada da América Latina. Com mais de 10 milhões de visualizações nas duas temporadas, a história fictícia publicada em um site de fanfics, pela autora Nathália Sodré, é protagonizada por Priscilla e por Natalie Smith.

Para a atriz e produtora, o êxito tem muito a ver com a forma natural com que tratam as questões da vida do casal gay na trama. Mas também com a amizade verdadeira das atrizes, já que a legião de fãs não as vêem como personagens, mas como #natiese. E o maior resultado é ouvir diariamente histórias emocionantes do público. “Quando alguém te abraça e diz que você tirou ela da depressão, é isso que emociona”, afirma.

Com a colega Natalie Smith, em cena de Entre Duas Linhas. Foto: Divulgação

Como você era na infância, já se imaginava nesse mundo artístico?

A única coisa que eu lembro mesmo era de Chiquititas. Eu via que iam levar as crianças do Brasil para a Argentina e falava: 'Mãe, eu quero fazer Chiquititas!'. Mas não era nem pela arte em si, queria mesmo ser uma Chiquitita. Hoje, brinco que não escolhi a arte, a arte me escolheu. Eu sempre sonhei ser arquiteta. Depois de um tempo, já não mais criança, uma amiga falou: 'Vamos fazer um curso de cinema?'. E eu disse: 'Vamos ver'. Cheguei lá pensando que era uma brincadeira, uma zoeira. Aí no primeiro período já senti que não ia passar. Minha família nunca teve muita condição, minha mãe me deu dinheiro para estudar, e se eu repetisse, adeus cinema. E falei, 'Caramba! O que eu vou fazer da minha vida?'.

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Como resolveu a questão?

Contei para a minha mãe, e ela disse, 'Se vira! Liga pro seu curso, chora! Porque se você repetir, não vai fazer mais!'. Aí mandei um texto enorme, pedindo desculpa que queria muito estudar, que minha mãe não podia pagar. E responderam o e-mail falando assim: 'Mas você não repetiu, você passou!' Não acreditei! A partir daí comecei a dar valor, vi que não vivia sem o cinema, a arte, a TV. E eu gosto disso! Uma câmera aqui, um microfone...

 

 

E quando vocês resolveram fundar a produtora, como surgiu?

A Ponto e Ação surgiu um mês antes de terminar o meu curso. Chamei uma amiga, a Tamires e falei assim: 'Thami, eu não quero ficar refém de uma produtora, esperando um teste para ser aprovado ou não, eu preciso viver disso! Por mais que agora a gente não ganhe dinheiro, mas preciso trabalhar'. E ela falou: 'Ah, vamos montar uma produtora'. E aí foram duas loucas, uma chamando um amigo daqui, outro dali. E a gente criou o Presside, que foi só uma websérie feita para a família e amigos. Depois, decidimos que queríamos produzir algo maior, chamar gente de fora. E aí foi o start, chamei o Rodrigo (Tardelli) para participar com a gente, e uns três ou quatro meses depois veio a Natalie (Smith – atriz). E a gente criou a Ponto e Ação mesmo. Mas foi essa necessidade de não depender de uma outra pessoa.

Foto: Divulgação

Qual a importância do ator também ser produtor, estar por dentro de todo o processo?

Acho muito importante porque a gente começa a olhar de fora. A gente precisa sempre de um diretor, alguém ali falando, porque a gente já produziu sem ter um diretor, de a gente se dirigir, e a gente viu muita falha. Então, quando você começa a produzir também, começa a dar valor àquela pessoa que tá segurando o boom, a ter uma visão de fora do seu personagem...

E como vocês tiveram esse insight de fazer webséries direcionadas ao público LGBT?

Não vou mentir, dizer, ah, porque a gente queria apoiar. No começo, foi uma amiga minha que falou: 'Ah, você precisa ver essa plataforma!'. E eu falei, 'O que é isso, fanfic?'. Comecei a ler e me interessei pela história. Não por ser LGBT, de suspense, hétero! No começo, não era isso mesmo! Mas quando a gente começou a ver que estava ajudando pessoas, chegavam pra gente e falavam: 'Você me tirou de uma depressão, meu pai faleceu e eu não sabia o que fazer da minha vida'. Ou 'Hoje eu consigo chegar para a minha mãe e conversar sobre a minha sexualidade'. Eu falei: 'Nat, a gente não pode parar!'. Foi nosso primeiro projeto, Entre duas Linhas. E eu falei, vamos fazer mais um assim pra gente representar. Aí sim, eu comecei a pensar dessa forma, porque, para mim, até então era só fazer, respirar arte, era um texto legal. Aí a gente fez A Melhor Amiga da Noiva e bombou! Era um texto já pronto. E eu disse para a Nat que naquele momento a gente precisava dar um recado dentro do nosso roteiro. E foi o que a gente começou a mostrar. Que um casal gay pode ter filho, casar, ser feliz, amar, brigar também como qualquer outro casal. Aí que a gente começou a ver o que a gente estava representando, e o tamanho do público que a gente tinha. A gente precisava falar mais!

Em cena de A Melhor Amiga da Noiva com Natalie Smith. Foto: Reprodução Canal Ponto Ação Produções

Por que você acha que deu tão certo?

É engraçado, porque eu e a Nat, a gente não é vista como personagem, a galera gosta de #natiese, de Natalie e de Priscilla. Eu não sei, posso estar falando besteira, mas acho que o que deu certo, além de a gente tratar com naturalidade, tentar trazer coisas bonitas, tentar não mostrar o mundo em volta, mas o casal feliz, a briga, além disso, acho que a minha naturalidade e a da Natalie como pessoa. De a gente querer falar, usar o canal para isso! Se a gente brigou, a gente fala, a gente é amiga, mas briga também, a gente não força o casal, sabe? Olha: 'Esse aqui é o casal, vocês tem que amar, a gente vai fingir que está namorando para a galera amar'. Não! A gente age natural, a gente filma vídeo do dia a dia. Uma vez a Nat estava filmando e caiu, e não cortamos. É engraçado, porque ela é assim. E eu também não fico sorrindo o tempo todo, quando estou triste, p... da vida, vou lá e reclamo. E eu acho que foi isso que a galera gostou, da diferença entre as duas, e o fato de dar certo essa amizade. Não forçar uma barra, mas mostrar o que a gente é, ela é engraçada demais, eu sou meio durona, e a gente tem essa química. Não sei, é meio doido pra mim ainda.

Com todo esse sucesso das webséries, o que mais emociona você com o feedback do público?

O que mais me emociona é quando eu vou em outros estados e aí o fã me abraça, começa a falar que me ama, a contar a história dele, e que ele superou porque assistiu a gente. E eu falo: 'Caramba, o que eu estou fazendo?'. Eu não tenho essa noção, estou consumindo arte, porque eu amo a arte. Eu estou fazendo algo que amo e estou ajudando pessoas, o que pra mim hoje ainda é louco. Outro dia uma menina veio contar a história dela, que é casada com homem, que pretende ter filho, mas que a história das duas meninas emocionou ela, e que quer estar mais com o marido. E é legal que a gente representa várias outras pessoas, situações, não essa coisa do casal LGBT, engloba tudo. Uma menina também de 15 anos, que te abraça e fala que você tirou ela de uma depressão, acho que é isso que me emociona, sabe? Eu perdi meu pai com 12 anos, queria abandonar tudo, foi o meu irmão que me incentivou a continuar fazendo as coisas. Ver o meu irmão pequenininho, eu querer correr atrás para ajudar a minha mãe, pagar as coisas para ele, porque sempre tive tudo quando meu pai era vivo. Então, a gente é como esse meu irmão para essas pessoas. Às vezes, a pessoa não tem um parente, amigo, e ela vê na gente esse irmão. Isso que me emociona, não ter 1 milhão de seguidores ou ser conhecida lá fora. Me emociona a pessoa abraçar a gente, contar sua história, e a gente saber que ajudou ela de alguma forma.

Foto: Divulgação

Que conselho você daria a esses jovens que tem receio de se assumir?

Eu acredito muito em Deus, então eu acho que tudo tem o seu tempo. Óbvio, acho que tudo na vida é diálogo, se você quer se assumir, começa a se entender primeiro, a procurar ver se é isso que você quer. E se você sentir vontade de sentar com mãe, pai, senta e conversa. É difícil, às vezes a reação do pai e da mãe não vai ser o que você espera. Mas tenta entender eles também, porque eles vêm de um mundo um pouco diferente do nosso, e eles vão aprender com um tempo. A gente está lutando para isso, para que as pessoas vejam que são comuns como qualquer outras pessoas. Mas dá tempo ao tempo e vai conversando, sentindo. Acho que diálogo é tudo! E não tenha medo! Tem muita gente aqui, se quiser conversar com a gente, a gente está aqui para conversar o que precisarem.

Fala agora dos novos projetos...

Lançamos um curta que chama Minhas Regras, de suspense. A gente juntou uma grana com os fãs e fez. Já está no canal do Ponto e Ação, é uma loucura gente. Nada para vocês fazerem em casa não! São duas bandidas, uma é meia psicopata... Fiz uma websérie agora, um pouquinho parecida, Querida Reputação. Fala de uma jovem na faculdade que vai passar por drogas, dúvida em relacionamento, abusos... É legal para quem é da faculdade ver, para tomar cuidado, não pegar o copo de ninguém e sair bebendo. E fiz Reflexo, que é uma galera muito doida! A maioria é youtuber, alguns são atores, e eu fui uma das atrizes convidadas, faço uma professora. Fala sobre uma galera que é muito louca na faculdade, que quer fazer as coisas, mas não pensa no reflexo que a vida vai dar diante desse fato. Então, são dois projetos que eu acho que irão educar, ensinar, abrir os olhos. Bem legal!

Agradecimento: Tea Shop Rio Design Barra. Av. das Américas, 7777 – Barra da Tijuca. Piso Térreo – loja 156.